quarta-feira, 16 de maio de 2012

Entrevista: Sr. Horácio Brasil – Superintendente do Setps


 

“A questão de trânsito e transporte deveria ser tratada com mais profissionalismo, com os ocupantes de cargos chaves sendo escolhidos pelo conhecimento técnico e não por questões ou apadrinhamento político”.




Jornal da ASTRAM (JA) - Na visão do Setps qual o principal ou os principais problemas do Transporte em Salvador?

Horácio Brasil (HB) - Nós fazemos pesquisa todo ano e a nossa visão é a do cliente, que utiliza o ônibus como meio de transporte. Nas nossas pesquisas quando perguntado de forma espontânea quais os principais problemas do transporte na cidade os usuários tem respondido na seguinte ordem: demora no ponto, demora na viagem - que seria a fluência do tráfego - e medo/insegurança nos pontos. 

Quando perguntado de forma induzida as respostas são: medo/insegurança - que diz respeito à questão da segurança pública e não de transporte, demora no ponto e demora na viagem. Portanto, torna-se necessário resolver a questão da fluência no tráfego para chegarmos a lógica que pregamos que é 40 automóveis transportam em média 60 pessoas, que é o mesmo número transportado por um ônibus. 

JA - Na edição do Jornal da ASTRAM em que lançamos o Movimento Por Uma Nova Transalvador, comentamos sobre o recuo do poder público e avanço do poder econômico nas decisões envolvendo trânsito e transporte. Como o Setps vê essa colocação?

HB - O Setps fez e faz um investimento pesado na parte técnica e na qualificação de pessoas, propondo medidas, projetos e até financiando algumas ações. Nosso objetivo é beneficiar todos que utilizam o transporte de ônibus na nossa cidade. De forma alguma queremos “tomar” o lugar ou fazer a função que cabe a prefeitura de Salvador, estamos aqui para auxiliar no que for necessário.

JA - O que levou o SETPS a suspender o pagamento da taxa do FUNDETRANS?

HB - A prefeitura acabou criando uma lenda urbana de que o Setps e as empresa de ônibus não pagam o valor do FUNDETRANS. O que existe é uma decisão judicial que nos autoriza a não efetuar esse pagamento, até que nos seja ressarcido os valores decorrentes das defasagens tarifárias.

A lei do FUNDETRANS prevê o equilíbrio econômico do sistema e seus contratados, mas na prática não era isso que ocorria. Ao longo dos últimos anos as empresas de ônibus passaram por diversas defasagens tarifárias, chegando a passar períodos de até dois anos sem correção das tarifas.

Quando a tarifa era corrigida, a prefeitura corria para divulgar no Diário Oficial do Município e nos meios de comunicação que: Apesar do estudo realizado, pela própria prefeitura, calcular que o valor da passagem deveria ser R$ de 3,00 o prefeito decidiu que o valor seria de R$ 2,50 pois a prefeitura entende que a maior parte da população não teria como arcar com esse valor.

A questão passou a ser: Se a prefeitura calculou o valor de R$ 3,00 dentro da lei e quer colocar um subsidio para a população, ela deve arcar com a diferença. Como a prefeitura não arcava com essa diferença e preferia empurrar o problema, as empresas começaram a ter problema de caixa e algumas acabaram até fechando. Esse discurso dos prefeitos que passaram pelo cargo, pode até ter dado um charme político, mais cedo ou tarde acabaria se revertendo contra a própria prefeitura.

De posse dos cálculos da prefeitura, as empresas de ônibus solicitaram uma averiguação do setor, com base nos estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).  A FGV fez os estudos de quanto deveria ser a tarifa e calculou a diferença de tudo aquilo que a prefeitura devia as empresas de ônibus ao longo dos últimos anos.

De posse desse laudo, as empresas de ônibus entraram na justiça para que o pagamento do FUNDETRANS fosse suspenso. As empresas de ônibus ganharam na primeira instância, a prefeitura recorreu e o juiz confirmou a decisão definindo que dos valores devidos pela prefeitura às empresas de ônibus, seria abatido os débitos existentes das empresas e que o restante seria compensado, via suspensão do pagamento do FUNDETRANS. Isso ocorreu em 2007 e desde então a prefeitura não recebe estes valores e nem comunica a população e aos servidores municipais a verdade sobre o não pagamento dessa taxa.

JA - Na opinião do Setps, qual seria a solução para essa questão da defasagem nas tarifas de ônibus?

HB - Para resolvermos essa questão necessitamos que seja revista a forma como o cálculo da tarifa é feito. A própria legislação de 1992, auge da inflação, vai ter que mudar. A tarifa amanhã ou depois terá que ter uma fórmula paramétrica, ou seja, você faz os cálculos e depois vê o que pesa mais nas tarifas. Por exemplo, identificou-se que os maiores gastos das empresas de ônibus são: pessoal, combustível, pneumáticos e outros; a partir disso, se faz os cálculos de quanto cada item subiu no último ano, depois se multiplica por uma constante, para chegarmos ao valor final da tarifa.

JA - Porque a tarifa de ônibus em Salvador é tão cara?

HB - A tarifa está cara, porque o Estado encarece. Você não pode ter um serviço público como transporte, sem subsídio do poder público. Estudante tem que pagar meia? Tem. Mais quem vai arcar com os outros 50% que ele não está pagando?

O lógico seria a sociedade inteira pagar, para que aqueles que efetivamente utilizam o transporte público pagassem menos. O que não pode é aqueles que usam pagarem para que alguns privilegiados não paguem nada, como acontece hoje. Deficientes, idosos, realmente tem que andar de graça, mas, quem vai pagar as passagens deles? Se tivermos a resposta a essas perguntas, com certeza, teríamos uma tarifa de R$ 1,80 e não de R$ 2,50.

JA - Com a sua experiência, nos explique como é essa situação em outros países? 

HB - Fazemos coisas que países ricos não fazem, eles têm gratuidade, mas ela é sustentada por toda sociedade, pois lá, diferente daqui, o transporte é para todo mundo, não só para a parcela menos favorecida da população. Lá fora o transporte é para todos que precisam, afinal, está impraticável andar de carro nas grandes cidades. 

Diferentemente do nosso, em diversos países transporte público não paga impostos. Um cidadão que paga R$ 2,50 por uma passagem, precisa entender que está pagando para transportar outros cidadãos, e que essa responsabilidade não é dele, mas sim, do poder público que deveria subsidiar. Isso tem que mudar, porque você chega nos Estados Unidos e paga um dólar e meio para andar de ônibus e na Europa você paga um euro. 

Em Santa Mônica nos Estados Unidos, um cidadão paga um dólar para andar de ônibus num trajeto pequeno. Mas se ele pagar três dólares e meio, terá o direito de utilizar o sistema de transporte metropolitano, que cobre Santa Mônica, Hollywood e Los Angeles, o dia inteiro. Aqui se a pessoa tiver que pegar quatro transportes por dia, gastará R$ 10, o que dará mais de R$ 200 por mês, ou seja, quase 30% de um salário mínimo. Nosso usuário gasta mais com transporte do que um europeu, que tem um salário mínimo de R$ 2.900, ou um americano, que tem salário mínimo de R$ 2.200.

JA - Mesmo depois de o metrô ter sido escolhido como modal a ser implantado na Paralela, o Setps ofereceu R$ 600 milhões para a implantação do BRT surpreendendo a todos, principalmente, pela situação da maioria dos ônibus de Salvador. O que motivou tal atitude do Setps?

HB - Estamos tentando apontar caminhos para própria sobrevivência do nosso negócio, e o nosso negócio é o transporte de ônibus. Mas antes de tudo, temos a convicção de que o BRT (linhas exclusivas de ônibus) é a melhor opção para Salvador devido ao baixo custo e rápida implantação. Os trâmites de licitação, obras e inauguração durariam no máximo dois anos. Mas, devido a interesses políticos, acabaram escolhendo outro modal, mais caro e demorado.

JA - Como o Setps está contribuindo para a melhora do trânsito na nossa cidade?

HB - Infelizmente a prefeitura não se preocupa em realizar estudos, projetos e como somos o segundo interessado contribuímos e acabamos revertendo recursos que não são pagos em benefício de todos. Se nós estivéssemos depositando o dinheiro referente ao FUNDETRANS, dificilmente ele se reverteria em projetos para melhoria do trânsito da nossa cidade. Estamos tentando apontar caminhos para a própria sobrevivência do sistema, só em 2010 investimos R$ 12 milhões em projetos de forma espontânea.

JA - Outro ponto que abordamos no Movimento Por uma Nova Transalvador é responsabilidade do usuário do transporte. Como o Setps analisa essa questão?

HB - Cedo ou tarde vai ter que haver uma conscientização por parte da população sobre a necessidade do bom uso do transporte coletivo. Isso só vai ser conseguido através da educação, que junto com a engenharia de tráfego e a fiscalização formam os pilares do trânsito.

Isso deve começar na escola, com as crianças aprendendo sobre a responsabilidade no trânsito. Eu mesmo só comecei a usar cinto com frequência e hoje não consigo sair sem colocá-lo, por causa dos meus filhos. As campanhas educativas e de conscientização tem um papel importante, elas tem um custo, mas também tem um retorno muito grande. A maioria das pessoas é cidadã, muitas vezes tem apenas que ouvir um conselho. 

JA - O que deveria mudar na nossa cidade com relação ao Trânsito e Transporte?

HB - A questão de trânsito e transporte deveria ser tratada com mais profissionalismo, com os ocupantes de cargos chaves, sendo escolhidos pelo conhecimento técnico e não por questões ou apadrinhamento político. O Ministério dos Transportes deveria ser vinculado diretamente à prefeitura e os políticos precisam respeitar os funcionários públicos, proporcionando condições de trabalhão decentes, reciclagem, ferramentas e métodos de gestão.

São necessárias reciclagens e atualizações constantes, afinal os métodos e a tecnologia se modernizam a todo instante. Hoje quem faz reciclagem é apenas o setor privado, a prefeitura não se preocupa em investir nisso.

JA - Na sua visão, qual a importância dessa discussão sobre trânsito e transporte que a ASTRAM está levantando?

HB - É belíssima e completamente válida essa atitude da ASTRAM de debater a questão do trânsito, transporte, da mobilidade urbana, da figura do servidor da Transalvador nessa discussão, da responsabilidade do usuário, sempre procurando escutar os principais envolvidos nesse processo. O Setps vai participar desse movimento e coloca-se a disposição para o que se fizer necessário. Fui servidor municipal durante 15 anos, acompanhei a fundação da ASTRAM e sei da seriedade e representatividade dessa instituição. Só tenho a parabenizar a ASTRAM por mais essa iniciativa.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Por uma Nova Transalvador

Reunião dos servidores da Transalvador na ASTRAM
Desde que assumiu a direção da Associação dos Servidores em Transporte e Trânsito do Município (ASTRAM), essa nova gestão tem sido pautada pelo diálogo, transparência e pela democracia. Foi assim durante as negociações da Campanha Salarial, onde fizemos algumas reuniões com os servidores para definir a posição da entidade no movimento, está sendo assim no nosso processo eleitoral e continuará assim daqui pra frente. Nas reuniões de pauta do SEU Jornal da ASTRAM, chegamos à conclusão de que devíamos iniciar um debate sobre a atual situação da Transalvador e de todo o sistema de trânsito e transporte da nossa cidade.

Mas não com o objetivo de apenas ficar apontado culpados, mas sim, sugerir novos rumos, num processo de construção democrática de uma Nova Transalvador, pois acreditamos que já passou da hora de nos unirmos (agentes de trânsito e transporte, poder público e sociedade civil) num esforço coletivo para que seja respeitado o direito constitucional de ir e vir de todos. Para iniciarmos esse debate sobre a atual situação da Transalvador, buscamos através de um relato histórico mostrar como os órgãos de Trânsito e Transporte foram sendo sucateados e perdendo sua autonomia com o passar do tempo.  

Em 1976 a prefeitura começou a implantar o Plano de Desenvolvimento Urbano (Produrbi), que foi o ponta pé inicial de um pensamento institucional da questão do transporte. No ano de 1979, sai do DETRAN a parte gerencial, operacional e de administração do trânsito de Salvador, passando a prefeitura a cuidar disso; em 1980 a Secretaria de Serviços Públicos (SESP) é dividida em dois grandes departamentos: Transporte Público e Serviços especiais (responsável por feiras, mercados, cemitérios, etc.); em 1981 é criada a transporte Secretaria de Transporte Urbanos (STU), depois transformada em Secretaria Municipal de Transportes Urbanos (SMTU).

Nesse breve relato percebe-se que a prefeitura sempre passou por um ‘encolhe e estica’ de secretarias, tudo feito ao bel prazer dos prefeitos que passaram pela administração pública. Sobre esse ponto, o servidor Edivandro Velame comenta que “apesar da prefeitura ter feito todo o percurso para municipalização do trânsito e do transporte, isso não se refletiu numa organização e em melhorias para o transporte e trânsito na cidade”.

Como sempre faltou interesse, boa vontade política e visão das pessoas que estavam à frente da prefeitura para que a autarquia assumisse o seu verdadeiro papel de planejamento, ao invés de só ficar atuando como um órgão meramente operacional e fiscalizador. Mas, o ponto onde queremos nos aprofundar é a última reforma administrativa ocorrida no ano de 2008.

Ao final da primeira gestão do atual prefeito, ocorreu uma grande reforma administrativa que fundiu a Superintendência de Transporte Público (STP) e a Superintendência de Engenharia de Trânsito (SET). Essas superintendências que antes respondiam em Secretaria Municipal de Transportes Urbanos (SMTU), passaram a responder a Secretaria de Transporte e Infraestrutura (SETIN), sendo criada uma nova autarquia denominada Transalvador.

Esperava-se que com a junção dos setores de trânsito e transporte as coisas fluíssem melhor, até por se tratar de duas áreas que necessitam caminhar juntas. Infelizmente essa união não se traduziu em melhorias, pois, tratou-se de uma reforma meramente cartorial, feita por decreto, onde a prioridade que deveria ser o transporte público passou a ser o trânsito. “Começaram a pensar só transporte individual em detrimento ao coletivo, o que foi e continua sendo um dos principais erros da administração municipal” comenta Adenilton Júnior, presidente da ASTRAM.

Não aconteceu uma discussão prévia com as duas áreas que seriam afetadas, a estrutura continuou engessada e arcaica, sendo que atividades como organização, planejamento, controle e fiscalização, continuaram separadas nas duas áreas. “Não houve um grupo de transição para que essa integração proposta ocorresse na prática, acabou que os servidores foram jogados dentro de um processo que só trouxe impactos negativos para a sociedade como e para os profissionais que operam o sistema de trânsito e transporte”, comenta Rogério Baraúna, presidente da Comissão Permanente de Controle e Avaliação (CPCA).

O avanço do poder econômico – As dificuldades financeiras e administrativas pela qual a SET e STP já vinham passando antes dessa reforma, só aumentou com a forma como se deu a junção dos órgãos. Na esteira dessas mudanças, o diretor da ASTRAM Judário Santos destaca que “é importante frisar o recuo do poder público nas suas funções primordiais e a escalada do poder econômico, no caso, o avanço do Sindicato das Empresas de Transportes de Salvador (SETPS), nas decisões envolvendo trânsito e transporte da nossa cidade”.

A relação entre a prefeitura e o sindicato dos donos das empresas de ônibus começa a se tornar “estranha”, com técnicos do setor de transporte sendo cooptados pela iniciativa privada, grupos de trabalho para estudos sobre melhorias de trânsito e transporte são formados com representantes que só defendem os interesses desse grupo e outros acontecimentos no mínimo obscuros.

Essa situação chegou ao cúmulo do absurdo com o SETPS enviando uma carta ao prefeito, na qual sugeria pagar os R$ 600 milhões das obras de construção do BRT (linhas exclusivas de ônibus) na Avenida Paralela, mesmo depois do governo e a prefeitura anunciarem que o metrô será o moldal de transporte que irá ligar a Rotula do Abacaxi a Lauro de Freitas. Atitudes como essa mostram a clara intenção do STEPS de salvar o moldal ônibus como único elemento de transporte na cidade.  

Toda essa “ação” do capital faz com que a uma parte da população se identifique mais com o SETPS do que o órgão municipal gestor do trânsito e transporte. Em resumo, enquanto o poder econômico (SETPS) avançou muito nesses anos, a administração pública (Transalvador) só fez regredir. Mas essa é uma das máximas do neo liberalismo, sucatear os equipamentos públicos para depois “vender a idéia” de privatização, como estão querendo fazer com o Elevador Lacerda.

Estamos expondo apenas a ponta de um imenso iceberg, sabemos que é preciso aprofundar as questões aqui relatadas - ouvindo o STEPS, Transalvador e prefeitura – além de abordar outros temas como a inoperância e a descontinuidade administrativa da Transalvador, a falta de transparência com os valores arrecadados, a responsabilidade do usuário, os impactos dessa tão falada mobilidade nas atividades dos agentes, etc.

Como estamos vendo o assunto é complexo e extenso, mas precisamos dar o primeiro passo para mudar essa situação. Nada do que foi escrito aqui é uma verdade absoluta, a ASTRAM não é dona da verdade e tem a consciência de que existem visões diferentes da que está sendo exposta aqui, por isso convidamos todos a participar desse debate para que JUNTOS consigamos firmar um pacto por uma Nova Transalvador.

Por uma Nova Transalvador: Faça sua parte, faça a diferença!